Rita Cadillac, mesmo quando sorri, tem os olhos tristes. Aos 54 anos de idade e mais de 30 de rebolado, a dançarina que se auto-define como a “mais famosa bunda do Brasil”, segue trabalhando duro. Na última sexta-feira, ainda com dores nos joelhos, conseqüência do desfile pela X-9 paulistana, dançou sua velha dança para uma delirante platéia de baladeiros paulistanos.
O show de Rita, no clube Caravaggio, região central de São Paulo, foi o auge da noite Trash 80’s, que reproduziu, com bacalhau e abacaxi de cartolina, o Cassino do Chacrinha. Tudo ali era intencionalmente trash. Rita também? “Eu? Eu já tô me acomodando na aposentadoria. Levo tudo isso na brincadeira.”
O show da ex-chacrete é quase uma viagem no túnel do tempo. Ao som de velhos hits, ela empina o traseiro, dá uns rodopios, revira os olhos, manda uns beijos… E pronto. “Ela é quase um revival das pin-up girls dos anos 50. É um pouco a pré-história da nossa televisão”, acerta o cineasta Toni Venturi, autor do documentário A Lady do Povo, que entrará em cartaz nos cinemas em 8 de maio.
Assista ao trailer inédito de “Rita Cadillac, A Lady do Povo”
Falar com Rita Cadillac é como entrar no mundo televisivo e no circo das celebridades pela porta dos fundos. É encontrar, sem máscara, um personagem que o Brasil, há décadas, aplaude, apedreja, ironiza, imita, deseja e despreza. Ela foi chacrete, musa em Serra Pelada e no Carandiru, fez filmes pornôs e chegou a se apresentar em seis forrós num só dia. Mas Rita, olhar melancólico e sorriso contido, está certa de que o pior já passou. Hoje, sente-se cult até.
“Esse documentário foi a coisa mais importante da minha vida. Quando o Toni veio falar comigo, juro que achei que era uma pegadinha. O filme mostra a Rita de Cássia, mostra a pessoa que eu sou e nunca ninguém viu”, diz, orgulhosa. Na era da revista Caras e do Big Brother, Rita Cadillac é, a um só tempo, o brega que ninguém quer ser e é a “quase celebridade” que tanta gente tenta ser.
Em uma hora de entrevista no camarim do Caravaggio, Rita – numa versão mais “de Cássia” que “Cadillac” – tenta mostrar que, como disse Rita Lee, é “uma bunda que pensa”. Ela, no fundo, parece guardar muito da menina pobre, simples e desprovida de especiais aptidões que, quando deu por si, tinha sido colocada no centro do circo midiático. Atravessou a vida em busca da telinha perdida.
Antes de dar início à conversa, ela senta-se num banco alto e, pra escapar das lâminas da roupa preta, que “penicam”, levanta o vestido. Pede um energético pra ficar acordada, conta que passou o dia fazendo compras no Brás e, ao ser perguntada sobre a relação com jornalistas, demarca terreno: “Tem hora que eu percebo que o jornalista quer tirar um sarro. Mas não sou idiota. Percebo o tom. Quando vejo que querem gozar de mim, fico monossilábica, fecho a cara.”
Leia, a seguir, trechos da conversa
NASCE UMA CHACRETE
“Eu deixei criarem essa personagem, então não posso me arrepender. Quando eu era menina, tinha vergonha. Tudo que eu botava, a bunda aparecia demais. Aí, quando entrei no Chacrinha, pensei que tinha que fazer uma besteira qualquer pra me diferenciar. O que eu tinha pra mostrar? A bunda. Falei: ‘vou ser a gostosa do programa’. Vivo até hoje disso.”
“Me aconteceu, no metrô, de perguntarem se alguém já me disse que eu era parecida com a Rita Cadillac. Quando digo que sou a própria, olham pra minha bunda pra ver se sou mesmo.”
A FASE DOS PORNÔS
“Eu fiz porque precisava do dinheiro. Precisava mesmo. Mas fui pra casa e falei pra mim: ‘Acabou a Rita’. Eu achava que quando o filme fosse lançado eu nunca mais ia ter coragem de sair de casa. Mas, você vê, o Brasil é muito louco. Aconteceu o contrário. Eu comecei a receber mais convites. A partir dali, comecei a me sentir uma artista. Até a Globo – a Vênus platinada, né? – hoje me convida pra umas coisas.
A VERGONHA DA PROSTITUIÇÃO
Veja o diretor Toni Venturi descrevendo o momento em que Rita chora no filme
A BAIXARIA NA TEVÊ
“A tevê não era tão vulgar como é hoje. Não era mesmo. Tá muito apelativo. No outro dia me falaram de não sei quem que passa o cartão magnético na bunda da outra. Eu posso ter sido chamada de tudo que é nome, mas isso eu não faria. Gente! Você fica meio assim, né? Aí tem mulher melancia, mulher framboesa. Amanhã, vem a mulher jaca. É a geração fruta. Acho que a gente passou do limite do que sempre foi meio vulgar. Eu me choco.”
Antes de seguir para o show, Rita brinca com as “chacretes” que vão acompanhá-la no palco. Algumas das meninas pedem para tirar foto com esse símbolo um tanto demodè da nossa cultura pop. “Eu sempre digo pra elas que o importante, nessa profissão, é a honestidade. Eu nunca menti sobre quem sou. Sou uma dançarina que inventou o personagem da bunda na hora certa.” E no país certo também.
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