sexta-feira, 28 de agosto de 2009

RA D IOHEA_D + convidados especiais

Radiohead, Kraftwerk e Los Hermanos: Festival Just A Fest, em São Paulo, é experiência única para 35 mil pessoas

por Daniel Faria

Há algo de incomum – ou de “fucking special” - na experiência de ouvir mais de 30 mil pessoas cantando em uníssono versos surreais como “yesterday I woke up sucking a lemon” ou “there are two colours in my head”, de “Everything In Its Right Place”, a penúltima música do festival Just A Fest, em São Paulo. Seria realmente incomum caso os protagonistas da noite de domingo, os ingleses do Radiohead, já não primassem por uma obra ímpar na história da música mundial. Artístico, comercial, postura pública, não importa. São, em qualquer item citado, artistas únicos, que causaram delírio coletivo na Chácara do Jóquei no dia 22 de março de 2009.

A apresentação não causou maiores surpresas ou alarmes porque era exatamente o que maioria dos presentes aguardava. A palavra é: comoção.

Entrei na Chácara por volta das 18h30, mais de quatro horas após a abertura dos portões. O alto-falante tocava “So What”, de Miles Davis. Canções de Jeff Buckley e King Crimson também apareceram na discotecagem do DJ Maurício Valladares, que se mostrou antenado com o gosto dos membros do Radiohead.

O público já lotava praticamente toda a pista quando a banda carioca Los Hermanos, em volta especial para o Just A Fest após o anunciado “recesso por tempo determinado” do ano passado, inaugurou a edição paulista do festival com “Todo Carnaval Tem Seu Fim”, faixa do disco Bloco do Eu Sozinho, de 2001.

O repertório, aliás, usou-se quase todo de canções do Bloco e do terceiro álbum, Ventura, de 2003. Apresentação simpática e calorosa, com boa recepção do público em “Além Do Que Se Vê”, “Último Romance”, “O Vencedor” e no dueto de Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante em “A Flor”, que fechou o setlist.

É complicado falar sobre a apresentação seguinte. Precursores da música eletrônica, talvez o grupo musical mais influente de todos os tempos depois dos Beatles, os alemães do Kraftwerk encontraram um público que se dividia em alguns poucos fanáticos que entoavam as letras mecânicas e mínimas com paradoxal paixão, alguns curiosos e uma grande maioria que desconhecia todo seu clássico repertório.

Os fãs foram presenciados com clássicos setentistas como “The Man-Machine”, “Autobahn” e “Radio-Activity”, o restante apreciou as convidativas imagens da vida urbana europeia pós-guerra e o visual robótico dos imóveis membros da banda. Talvez uma arena, como a Chácara do Jóquei, com público na faixa etária entre 20 e 25, não seja o local ideal para os veteranos alemães. Mas agradou mais do que desagradou.

Perto das 21h15, terminaram o show e iniciaram-se os preparativos do palco para a atração principal. A plateia, numerosa, aguardava com ansiedade e com os exageros típicos dos fãs. Ouvi uma menina de botas alemãs gritar que aquele era o “nosso Woodstock”, enquanto uma outra queria chuva para “que isso aqui vire o Glastonbury brasileiro”, referência – provável, acredito eu – a apresentação que o Radiohead fez no festival inglês em 1997, sob forte chuva e lama na altura dos joelhos, eleito pela revista inglesa Q como o melhor show de todos os tempos.

Não choveu, mas muita gente saiu dali achando ter visto o melhor show de suas vidas.

Carisma à inglesa
Por volta das 22h, o Radiohead finalmente entrou em contato com o público de São Paulo, depois de anos de especulações e de espera. Após show memorável no Rio, era a vez dos paulistas (e gaúchos, mineiros, paranaenses, capixabas, uruguaios…) conferirem o grupo inglês ao vivo pela primeira vez. In Rainbows, o disco-que-desmontou-a-estrutura-arcaica-das-grandes-gravadoras, foi apresentado na íntegra para uma plateia pronta a vibrar com qualquer nota vinda do palco.

Aliás, a interação banda-plateia era o ponto alto do festival. Logo após a terceira música, gritos para cada membro do grupo: Jonny Greenwood e Ed O’Brien, dois multi-instrumentistas brilhantes, o baixista Colin Greenwood, sorridente e convidativo, pulando o tempo todo, e o frio baterista Phil Selway, que arremessou suas baquetas ao público no fim do show.

E claro, a estrela maior. Com apenas 1,65m, inicialmente de jaqueta azul, barba por fazer e cabelos assimétricos, Thom Yorke sorriu para o público, fez brincadeiras vocais no intervalo das músicas, balançou descontroladamente a cabeça nas canções mais agitadas, subiu no piano, dançou histericamente, agradeceu aos brasileiros em português e foi ovacionado várias e várias vezes. Meninas (e alguns meninos) gritavam, deslumbradas: “lindo, lindo”.

Saíram e voltaram três vezes do palco. Após “Creep”, a música de encerramento, 35 mil pessoas deixaram a Chácara do Jóquei. A Revista Wave registrou cada momento da apresentação.

15 Step – Perfeita escolha como música de abertura, com loops de bateria e efeitos eletrônicos meio que a simular uma continuidade da apresentação do Kraftwerk.

There There – Primeiro grande momento da noite. Ed O’Brien e Jonny Greenwood deixam as guitarras de lado e assumem a percussão, enquanto Thom canta os versos acompanhado por uma multidão em êxtase.

The National Anthem – Tradição nos shows da banda inglesa, uma rádio local é sintonizada aleatoriamente para servir de introdução para esta incrível e irônica canção do álbum Kid A. A bizarra transmissão de uma rádio de Campinas assustou a muita gente.

All I Need – Várias pessoas choraram durante essa linda e triste balada, conduzida pelo piano de Jonny Greenwood.

Pyramid Song – Thom ao piano, numa interpretação belíssima. Jonny usa sua guitarra como um violino. A platéia silencia e permanece em transe durante toda a canção, para explodir em palmas no encerramento.

Karma Police – Um dos maiores clássicos da carreira do Radiohead e o segundo grande momento do show. “For a minute there”, 30 mil pessoas se perderam completamente.

Nude – Outra interpretação sublime de Thom para esta bela canção do último disco da banda. Casais se abraçavam e pessoas choravam enquanto a iluminação em tons azuis refletiam a beleza etérea da canção.

Weird Fishes/Arpeggi – Impressionante como a canção cresce ao vivo. O baterista Phil Selway conduz a levada inicial de forma mais bruta, enquanto o vocal de Thom cresce lentamente do suave e tímido para o épico e dilacerado.

The Gloaming – Experimentações eletrônicas, com samplers vocais retransmitidos ao vivo, sob um fundo verde quase alienígena, enquanto Thom tem seu primeiro “ataque epiléptico” da noite.

Talk Show Host – Presente para os fãs de longa data, a música fez parte da trilha sonora do filme Romeu e Julieta, de 1996. Como “Fake Plastic Trees”, foram as únicas canções da fase The Bends tocadas na noite.

Optimistic – Três guitarras altas, tocadas com violência, na música menos experimental do disco Kid A.

Faust Arp – Thom diz: “This is Jonny”. Jonny responde: “And this is Thom”. Momento acústico, com os dois empunhando violões límpidos nessa curta canção.

Jigsaw Falling Into Place – Sem dúvidas, a canção de In Rainbows que melhor obteve recepção do público e a que melhor funciona ao vivo, com seu fantástico crescendo e com a intensa participação dos cinco membros da banda, que imediatamente já emendou em Idioteque, talvez o momento de maior demonstração da sintonia entre o platéia e a banda e – na minha opinião – o ponto alto do show. Techno torto, weirdo, vibrante, “Idioteque” é a música que melhor representa o Radiohead pós-OK Computer.

Climbing Up The Walls – Novamente luzes verdes simulam um delírio extraterrestre no palco, enquanto a plateia entra mais uma vez em transe.

Exit Music (For A Film) – O transe é ainda mais hipnótico na canção mais asfixiante da noite. Todas as 35 mil pessoas em silêncio durante quase toda a música, enquanto Thom canta sozinho com seu violão. Outro momento fantástico.

Bodysnatchers –Três guitarras procurando o maior barulho possível nesta suja canção do último disco da banda. “I have no idea what I am talking about”, berra Thom, antes de fazer a primeira parada da noite.

Videotape – A banda volta ao palco aplaudindo a platéia, que aplaude de volta. Thom, ao piano, canta sua música preferida de In Rainbows.

Paranoid Android – A canção mais celebrada do Radiohead foi a responsável pelo momento de maior comoção da noite. Após o fim da música, o público começou a cantar trecho da terceira parte da canção (“rain down, oh come on rain down on me”, na canção, interpretada por Ed O’Brien) e Thom fez dueto com a multidão emocionada. Ainda com o violão na mão, já emendou de imediato Fake Plastic Trees, aguardada por todo mundo. Em todo canto, pessoas choravam emocionadas com o maior sucesso radiofônico da banda no Brasil.

Lucky – Após dois dos maiores hits da história do Radiohead, a banda não deixa o astral cair e prosseguem com outro clássico de OK Computer.

Reckoner – A estrutura audiovisual atinge seu ápice. Iluminação rosa, enquanto Thom exibe toda sua técnica vocal em falsetes emocionados e apaixonantes. Outra que provocou choros em toda a extensão da Chácara. Saem pela segunda vez do palco, extremamente aplaudidos.

House Of Cards – “I don’t wanna be your friend, I Just wanna be your lover”, pede Thom, numa das letras sobre relacionamentos mais belas da história da música popular. Luzes etéreas azuis refletem a leveza e sublimidade desta bela canção.

You And Whose Army – Mais um momento inesquecível, quando uma câmera filma em close os olhos desiguais de Thom, que responde com caretas megalomaníacas. A plateia vibra a cada movimento de seu ídolo.

Everything In Its Right Place – Supostamente a música de encerramento que, assim como “Idioteque”, promoveu uma espécie de festa eletrônica desconstruída, levando o enorme público a bater palmas e cantar versos irreais. Pela terceira vez, deixam o palco. Para muitos, o fim do show.

Creep – Voltam, sob pedido e aplausos, para executar a música que colocou o Radiohead no mundo da música. Banida do repertório por quase toda a turnê, a banda abriu exceção para os latino-americanos e encerraram a noite com seu single de maior sucesso em um repertório inesquecível para as 30 mil pessoas presentes.

http://www.revistawave.com

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