terça-feira, 18 de novembro de 2008

Beyoncé, a garota dos sonhos do pop, desperta seu lado obsceno

No novo filme "Cadillac Records", que conta a história do pioneiro do selo de blues de Chicago Chess Records, Beyoncé Knowles faz uma entrada triunfal. Interpretando a cantora Etta James, Knowles é apresentada para o co-fundador do selo Leonard Chess (Adrien Body) em um quarto de hotel, ela esparrama-se pela cama e fala: “Não olhe para mim como se eu não estivesse vestindo nada”. Ela então xinga todo mundo e todas as coisas antes de se esconder no banheiro, onde ela solta a voz que resultou em uma longa série clássica de sucessos do R&B para James.

Estou começando a ver Knowles – uma das poucas estrelas do pop com uma imagem de boa garota – praguejando na sua performance. Mas sua mãe, Tina, que veta todos os roteiros que são submetidos a ela, acenou para este como certo, percebendo que a cantora de vida difícil poderia ser o papel de sua vida.

Em uma entrevista concedida no último andar de um hotel situado no Lower East Side de Manhattan, Knowles disse que quando leu o script pensou: “Eu tenho que fazer este filme. Mas fiquei apavorada. Será que eu estava realmente pronta?”

Até então, o papel mais importante de Beyoncé havia sido no filme "Dreamgirls: Em Busca de Um Sonho" (2006), pelo qual foi indicada para o Globo de Ouro. Porém, seu estudo sobre a vida de Etta e seu trabalho no filme não somente enriqueceram sua atuação dramática, como também mudaram o curso de seu novo álbum, intitulado I Am... Sasha Fierce, que está sendo lançado pela Music World/Columbia.

É claro que não havia nenhuma garantia que a garota da capa da edição especial sobre biquínis da revista Sports Illustraded poderia convencer na pele da cantora de blues viciada em heroína e filha de uma prostituta, que transmitiu uma vida de decepções amorosas e provocações através de canções como “At Last” e “Tell Mama”, incorporando a atitude do blues em uma vasta gama de gêneros pop.

“Fiquei surpreso como Beyoncé jogou todo o glamour pela janela com tanta facilidade e alegria, abraçando a total falta de atrativos de uma drogada”, disse Darnell Martin, roteirista e diretor do filme, com lançamento previsto para 5 de dezembro. Apesar de ter escrito o papel já com Beyoncé em mente, Martin afirmou que ficou impressionado como ela mergulhou, tanto fisicamente como emocionalmente, nas partes mais obscuras da vida de Etta. “Ela ficou realmente empolgada em viver o papel da forma mais intensa”, disse Martin. “Ela realmente quis ir fundo e penetrar na realidade da situação”.

Álbum duplo e alter ego

O ápice de “Cadillac Blues” – que mostra uma Etta James completamente tresloucada, sendo salva de uma overdose por Leonard Chess na casa vazia e fantasmagórica da cantora – cria um contraste impressionante com a Beyoncé que entrou no quarto de hotel com passos ágeis, falando rápido e com um sorriso largo estampado em seu rosto.

No dia seguinte à eleição presidencial dos Estados Unidos ela estava vestida com uma roupa inspirada em Obama – um terno azul marinho, com duas fileiras de botões, e uma gravata listrada de vermelho branco e azul. A cantora de 27 anos deveria estar no Japão para a divulgação de seu novo álbum, mas encurtou sua viagem para assistir à contagem de votos com amigos em Nova York. Ela decorou seu apartamento com balões e bandeirinhas para comemorar a ocasião.

“Eu literalmente fui dormir com lágrimas nos olhos, rindo e chorando ao mesmo tempo”, disse ela, sentada na posição de lótus em um sofá. “Eu me sinto até um pouco culpada de estar falando sobre meu novo álbum, pois tem coisas muito importantes acontecendo”.

O novo álbum marca um passo ambicioso para a texana Beyoncé, nascida na cidade de Houston, que vendeu mais de 75 milhões de CDs em todo o mundo, como artista solo (usando apenas seu primeiro nome) e como integrante do trio Destiny’s Child. O álbum duplo se divide em dois estilos diferentes: o primeiro CD, intitulado I Am, traz baladas mais introspectivas, enquanto o segundo, intitulado Sasha Fierce, recebeu o nome de seu alter ego no palco e muda o foco para canções mais dançantes (dando continuidade a uma tendência irritante da indústria fonográfica, o álbum está sendo lançado simultaneamente em “versão standard”, com 11 faixas, e em “versão deluxe”, com 18 faixas).

Revirando demônios

Em meio às gravações, Beyoncé assinou o contrato para o filme “Cadillac Records”. Para pesquisar sobre a dependência química de Etta James, ela passou algum tempo com mulheres internadas na clínica de reabilitação Phoenix House situada no Brooklyn, em Nova York. Ela só teve seis dias nos sets de filmagem para gravar suas cenas, por isso começou a ensaiar com Brody antes de filmar.

“Eu não poderia prever que ela seria tão presente emocionalmente e conectada com o personagem como ela foi. Acho que este papel representou muito para ela”, comentou Brody.

Knowles disse que tanto Martin quanto os outros atores fizeram com que ela se sentisse segura o suficiente para revirar os demônios de Etta, permitindo elevar seu trabalho acima de suas próprias expectativas. “Pela primeira vez, consegui vivenciar aquela experiência de sair do próprio corpo em um filme, como sinto no palco”. Ela ganhou sete quilos para ficar com o físico de Etta e incorporou um gestual mais grosseiro. Ela demonstra confiança e autoridade ao cantar duas canções interpretadas por Etta.

“Cadillac Records” abusa um pouco da liberdade de não seguir à linha a cronologia e os detalhes da era de Chess na gravadora – especialmente ao manter Phil Chess, irmão e sócio de Leonard, fora da história. Mas, algumas interpretações de peso (como Jeffrey Wright no papel do estóico Muddy Waters) capturam as inovações do selo e seu legado.

Beyoncé disse ter sentido uma obrigação extra em relação ao projeto como cantora ao conhecer a história da Chess Records – que proporcionou amplitude e sofisticação urbana ao estilo Delta blues gravando gigantes do gênero, como Waters e Howlin’ Wolf, e ajudando a prenunciar a era do rock’n’roll com artistas como Chuck Berry e Bo Diddley.

“Percebi o quanto essa história é importante, principalmente para minha geração”, afirmou. “Nós não sabemos de onde surgiu o rock’n’roll, não sabemos que os Beatles e os Rolling Stones se inspiraram em pessoas como Muddy Waters e Little Walter”.

Império multimídia

Knowles só falou com Etta James – que aos 70 anos ainda está em turnê – depois que o filme estava concluído. “Ela continua a mesma, honesta e firme. Sei que em algumas entrevistas ela quis dizer algo do tipo ‘não sei se ela consegue me interpretar’. Mas, quando a conheci, ela disse, ‘você é uma garota má’, e eu sei que este é o maior de todos os elogios para ela”.

As coisas acontecem em uma velocidade extremamente alta para Beyoncé; poucas horas após esta entrevista ela já estava em um vôo para Londres para participar do MTV Europe Music Awards. Quando a campanha de divulgação do novo álbum terminar, no ano que vem, ela já tem uma turnê de 110 dias já planejada, incluindo uma semana em Las Vegas; uma versão em espanhol do novo álbum; além do lançamento de seu primeiro filme do qual participa apenas como atriz, o thriller “Obsessed”. Além disso, tem ainda seu trabalho em andamento com sua linha de moda, a House of Dereon, e contratos de vários dígitos com empresas como L’Oreal e Pepsi.

Knowles admite que o rapper e executivo da indústria fonográfica Jay-Z, com quem se casou em abril, tem sido de grande influência em seu império multimídia em expansão. “Ele é brilhante, tenho muito orgulho dele, já aprendi tanto com ele”, disse. “Mas, mesmo antes de conhecê-lo, sempre estive no controle de minha carreira”.

Acima de tudo, Beyoncé espera poder olhar para trás e ver este momento como um divisor de águas, tanto no âmbito pessoal como profissional. “Quando você é uma pop star, tudo é meio conservador, você tem de ficar sempre dentro de uma caixa”, disse. “Você tem fãs de 5 anos e de 65 anos de idade, tem tanta gente querendo tanto. Mas Etta James foi a rainha do rock’n’roll, do soul, do R&B, do jazz – ela fez de tudo, e sempre fez tudo do seu jeito. Depois de interpretá-la e cantar suas canções, eu pensei: é hora de desafiar a mim mesma e fazer tudo o que eu tiver inspiração para fazer. Sei que você tem de fazer uma transição para se tornar lendária, e eu sabia que aquela era a hora. E eu estou pronta”.

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