Por Regis Tadeu, colunista do Yahoo! Brasil
Na semana passada, o lançamento de dois discos aqui no Brasil serviu como uma ótima fonte de estudo para quem se interessa em saber os motivos que levam o rock britânico ao patamar de idolatria por parte dos fãs, ao ódio cego e irresponsável de seus detratores mais tradicionalistas, e a profundas análises por parte dos críticos e admiradores mais racionais.
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O mais recente disco do amado - e odiado em iguais proporções - Arctic Monkeys, Humbug, acabou fazendo uma tabelinha não programada com a coletânea dupla Midlife - A Beginner's Guide to..., do Blur, não tanto por alguma similaridade em relação ao som de ambas, mas por representarem momentos distintos do cenário do Reino Unido.
Aproveitando o fato de o Blur ter voltado a se reunir para uma pequena turnê - que incluiu uma ótima apresentação como headliner no festival de Glastonbury, no final de junho -, a gravadora resolveu faturar uns trocados em cima dos incautos e soltou esta coletânea dupla, apostando que o grupo voltaria a entrar em estúdio para soltar posteriormente um disco de canções inéditas.
Para azar da EMI, isso provavelmente não irá acontecer, já que as desavenças entre os dois principais compositores do grupo - o vocalista Damon Albarn e o guitarrista Graham Coxon - voltaram a dar as caras no cotidiano do grupo.
Centrando o repertório no período em que a psicodelia era uma grande influência na sonoridade final do quarteto, a coletânea dupla carrega o antagonismo que sempre cercou a carreira do grupo - vide a ridícula competição com o Oasis nos anos 90. Ao mesmo tempo em que mostra a extraordinária capacidade do Blur em produzir canções memoráveis, apresenta omissões imperdoáveis, não incluindo outras ótimas faixas, como "End of the Century", "Country House", "Charmless Man" e - o pecado maior! - "There's No Other Way" (veja o vídeo aqui), que foram simplesmente riscadas do mapa.
Algumas faixas carregam aquela têmpera típica das guitar bands dos anos 90, como o lamento de "Beetlebum", a introspecção de "Out of Time" e a distorção proposital de "Bugman"; outras são realmente deliciosas, como a subversão disco de "Girls and Boys" (veja o vídeo aqui), a simplicidade de "Coffee and TV", a urgência garageira de "Song 2", a celebratória "Tender" (veja o vídeo aqui), a lisérgica "She's So High" e a panfletária "Parklife" (veja o vídeo aqui). Se "For Tomorrow", "The Universal", "He Thought of Cars" e "Blue Jeans" trazem fortes reminiscências do som dos Smiths, até mesmo nos momentos mais experimentais - "Death of a Party", "Sing" - o Blur conseguiu enxertar aquela veia melódica/melancólica típica do britpop.
Já o terceiro álbum do Arctic Monkeys traz profundas mudanças no som do grupo, inevitavelmente trazidas pelo produtor do disco, ninguém menos que Josh Homme, líder incontestável do Queens of the Stone Age e um dos caras mais admirados no show business atual.
A princípio estranha, a parceria na verdade deu aos integrantes da banda a possibilidade de ampliar seu espectro sonoro, abandonando de vez a irrefreável sonoridade underground dos discos anteriores e embarcar em uma jornada por um surreal e hipotético deserto na Grã-Bretanha, encharcados de tequila e LSD, e ávidos por encontrar piranhas ninfomaníacas. Isso fica muito claro em faixas como "Dangerous Animals" (veja a banda tocando esta faixa aqui), "Crying Lightning" (veja o vídeo aqui) e "Dance Little Liar".
Há uma atmosfera mais dark, mas longe daquilo que o vocalista/guitarrista Alex Turner apregoou ao final das gravações - que a banda estava soando como uma espécie de "Black Sabbath" -. Em algumas canções, ficam claras as influências de Mark Lanegan (ex-vocalista do Screaming Trees e velho parceiro de Homme) e Morrissey: o primeiro na atmosfera sorumbática típica do cineasta Tim Burton de "The Jeweller's Hands" e "Fire and the Thud"; o segundo no lamento contido e poético de "Cornerstone" (veja a banda tocando esta música ao vivo aqui) e "My Propeller". Os riffs estão mais cortantes e densos, enquanto os ritmos continuam elaborados de forma quase tribal - como acontece em "Secret Door", "Pretty Visitors" e na ótima "Potion Approaching".
Resumindo: estes dois discos são como cartas de um tarô colocadas em cima de uma mesa repleta de referências sonoras. Cabe a você decifrar o significado de cada uma delas...
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