quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

"Golpe do aluguel barato" faz dezenas de vítimas em SP

Dois quartos, mobiliário com design projetado com fino acabamento e uma iluminação toda especial distribuída nos seus 80 m² de espaço vivo e confortável com toques de alta e inigualável qualidade. Sala de estar grande, sala de jantar e varanda fechada, cozinha projetada com TV de plasma fixada na parede. Nota especial: a cozinha é totalmente equipada com geladeira, microondas, torradeira, cafeteira e utensílios. Valor do aluguel: R$ 750, incluindo taxas.

A descrição, segundo o autor do anúncio, publicado junto com fotos em um popular site de classificados online de imóveis, é de um apartamento localizado na Rua Bahia, área nobre na zona Oeste da capital paulista. Mas o que, à primeira vista, parece ser um negócio imperdível, é, na verdade, a isca de uma fraude que tem feito vítimas pelo País: o golpe do aluguel.

A mecânica é simples e baseada num princípio que alicerça a maioria dos golpes: a sedução pela vantagem. Neste caso, imóveis são oferecidos a preços abaixo dos praticados pelo mercado. O "negócio" é fechado após o depósito exigido pelo falso proprietário ser efetuado. Dinheiro que fatalmente a vítima não vai rever.

Para verificar como agem os estelionatários, Terra Magazine respondeu ao anúncio do apartamento da Rua Bahia. Durante quatro dias, a reportagem, que teve acesso ao caso a partir de denúncia, trocou e-mails com o suposto proprietário, identificado como Dylan Walsh, um engenheiro civil que se apresenta como estrangeiro. Ele prometeu agilidade nos trâmites burocráticos porque a empresa para qual supostamente trabalha teria "ganhado um edital em Londres e iria construir um prédio na capital inglesa".

Após as primeiras apresentações, Dylan explica como seria feito o negócio:

- Preciso te informar que a empresa MoneyBookers ficará com o seu pagamento até você confirmar para eles que gostou do imóvel e que quer receber as chaves. Caso não goste, somente tem que devolver as chaves para eles, depois que reembolsarem seu dinheiro. Eles me devolverão as chaves em seguida. Vou te informar sobre os passos a serem tomados para esse tipo de serviço acontecer. Você só tem que depositar para MoneyBookers Service o primeiro mês de aluguel, mais o cheque caução - R$ 1.750 - e então eles podem prosseguir, e você pode receber as chaves e o contrato.

Dylan justifica o baixo preço do aluguel, alegando que precisa se mudar com urgência e, ao final do primeiro email, pede compromisso do interessado: "Por favor, diga-me se isso é o que você estava procurando e me responda somente se estiver verdadeiramente interessado no apartamento". Questionado, afirmou que o condomínio estaria incluso neste valor de R$ 750 mensais. Além disso, estaria embutido no mesmo montante: água, luz e internet.

As conversas duraram até o momento em que a reportagem informou a Dylan sobre o interesse em conhecer o prédio - não o apartamento -, antes de partir para o contrato. O golpista nunca mais respondeu aos contatos e retirou o anúncio do site.

Quando chegou ao prédio mencionado por Dylan, a reportagem se deparou com o porteiro Marcelo Alves, 37 anos, que, antes mesmo de ser indagado sobre o imóvel, emplaca: "Foi o tal de Dylan Walsh?". O funcionário do prédio conta que só na semana passada mais de 20 casais apareceram no Edifício Tulipa em busca do mesmo apartamento.

Na Rua Bahia, naquele número apresentado pelo golpista, não havia imóveis para alugar e, diferente do anunciado, são apartamentos de quatro quartos e um por andar.

Familiarizado com o assunto, o porteiro antecipa detalhes do golpe: "Ele pedia um preço muito baixo, não é? R$ 750 mais um cheque caução de R$ 1 mil, certo? Na semana passada, recebemos mais de 30 ligações por dia, porque as pessoas procuram o prédio na internet e acham o número da portaria".

O porteiro conta que nenhum dos interessados no apartamento confirmou ter pago o valor estipulado por Dylan. Segundo relata Alves, a maioria visitava o prédio antes de concluir a operação. Ele diz que um dos interessados pretendia depositar R$ 2 mil para garantir o aluguel do apartamento.

Outros que foram enganados contaram a Alves que o golpista sumia quando eram feitas perguntas sobre o nome completo, número da conta bancária e detalhes sobre o apartamento. Além disso, Dylan deixou o site por diversas vezes, afirma o porteiro. "Cada vez que ele não respondia a alguém, tirava o anúncio da página na internet e, mais tarde, colocava novamente, isso foi o que me disse o pessoal que veio aqui".

Ofertas vantajosas

De acordo com o diretor de locação da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Carlos Samuel Freitas, é difícil mensurar o alcance deste tipo de golpe, devido à subnotificação. Ele afirma, entretanto, que, das fraudes realizadas durante operações imobiliárias, essa é uma das mais recorrentes.

No último sábado (12), um estelionatário foi preso em Betim, cidade próxima a Belo Horizonte (MG). Ele visitava apartamentos que estavam sendo alugados, copiava as chaves, tirava as fotos e os anunciava como se fosse seu. O modo de ação é semelhante ao descrito por Freitas.

- Obviamente, conhecemos casos. Alguns deles nos são informados. Em geral, a pessoa coloca anúncio de um imóvel que não pertence a ela. Muitas vezes, o dono nem sabe que o imóvel está sendo alugado. Quando a vítima procura o contato com a qual negociou, descobre a verdade. Esse é o golpe mais corriqueiro que temos notícia.

Ele destaca que muitos não levam o fato às autoridades por constrangimento, raiva ou temor. "Nem todo mundo que é lesado denuncia. Algumas vezes, pela irritação por ter caído no golpe. Outras, por medo. Não sabem com quem estão lidando. Têm receio de levar adiante e de serem mais constrangidos ainda".

Conforme Freitas, a fraude afeta, sobretudo, quem procura aluguel por temporada. Para evitar dissabores, ele recomenda cautela.

- A orientação que sempre damos quando temos notícia do golpe é alugar com pessoas que já tenham tradição no mercado. De preferência, com empresas especializadas, idôneas. Hoje em dia, com a internet, é fácil levantar informações, é fácil descobrir se a empresa é sólida, se é regular, se está no mercado há tempos. Fundamentalmente, é preciso saber com quem está se fazendo o negócio. É importante pedir referências. Isso diminui o risco.

Segundo o representante da Abadi, imagens do suposto imóvel não devem ser encaradas como garantia de que o negócio será concretizado.

- Sabemos de casos em que a pessoa aluga, deposita o dinheiro e só depois descobre o golpe. Você vê fotografias bonitas na internet e, ao chegar no lugar, descobre que a casa não existe ou não pertence à pessoa que tentou alugar. Isso acontece, infelizmente. A esmagadora maioria é induzida a erro pelos anúncios - alerta, lembrando de uma máxima que jamais deve ser desconsiderada:

- Há um velho preceito que temos que analisar sempre: se está barato e o anúncio oferece coisas mirabolantes, desconfie. Milagre ninguém faz. Sempre desconfiar de ofertas muito vantajosas, este é o grande macete. Não é normal ter tanta vantagem. Pode ter certeza que há algo errado.

"Foi terrível"

O desejo da universitária Isabela Diniz, 21, era que o Réveillon de 2008 fosse inesquecível. Conseguiu. Mas ao invés das tão esperadas boas recordações, apenas revolta e tristeza. Na virada daquele ano, Isabela e outros 14 amigos de colégio programaram uma festa especial para marcar a despedida da turma. Pesquisaram na internet e encontraram o cenário perfeito: uma casa luxuosa, com piscina, churrasqueira, no Guarujá, litoral Sul de São Paulo. O preço do aluguel de uma semana? Sete mil reais. Uma bagatela.

- Era uma casa maravilhosa. Por um preço incrível. Cada um ia pagar R$ 300. Dois amigos nossos viajaram dois dias antes para ver a casa. Quando chegaram, descobriram que a ela não existia. O número (do imóvel) que o homem havia dado não era real. Neste dia, mais duas famílias chegaram juntas. Caíram no mesmo golpe. Uma das famílias era de Vitória (ES). Foi triste. Dois dias antes do Ano Novo. Não tínhamos para onde ir. O sentimento foi de revolta. Fiquei frustrada. Senti como se tivesse tomado um banho de água gelada. Todo mundo estava empolgadíssimo para passar o Ano Novo junto.Foi terrível. Um momento triste. Acabou com meu Ano Novo.

A universitária conta que a negociação foi toda feita por telefone.

- Nós ligamos, falamos com a pessoa, que deu CPF e RG falsos. Deu o número da conta. Vimos as fotos. Parecia que a casa era dele mesmo. Não dava para desconfiar. Ele pediu metade do alugel (R$ 3,5 mil) e a galera depositou.

O grupo procurou a policia, registrou boletim de ocorrência, mas, passados três anos, o caso jamais foi elucidado. Isabela diz que a experiência mudou sua forma de agir.

- Hoje em dia tenho até medo. Fui alugar agora um sítio para fazer uma confraternização com os amigos. Fomos ao local antes de falar com a pessoa (proprietário). Nunca mais a gente entra nessa. Uma coisa que aprendemos é ir a corretoras. Ligamos para algumas delas para confirmar. Na internet, qualquer um pode colocar o que quiser.

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