sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Radiohead – In Rainbows

http://revistaymsk.wordpress.com/2007/11/02/radiohead-in-rainbows/

Quem acompanha o Radiohead nesses quase 15 anos de carreira percebe que a trajetória da banda foi guiada por redirecionamentos estéticos a cada disco, sejam eles mais bruscos (de “The Bends” para “Ok Computer” e depois rumo a “Kid A”), ou mais suaves (de “Pablo Honey” para “The Bends”, de “Kid A” para “Amnesiac”). “In Rainbows”, o sétimo álbum, pertence a esse último grupo de guinadas leves e certeiras. Mesmo com toda revolução relacionada com o seu lançamento, – disso tratamos aqui – “In Rainbows” mostra um Radiohead de velhas cores em novos tons. São Thom Yorke & cia. pisando em terrenos familiarmente próximos a sua obra (o noise-rock, a eletrônica de vanguarda, o jazz, o rock progressivo, orquestrações suntuosas, baladas atmosféricas), mas de maneira suficientemente distante para saciar suas pretensões artísticas.

As batidas pesadas dos primeiros segundos de “15 steps” evocam “Amnesiac”, mas quando a guitarra (estranhamente semelhante aos Los Hermanos de “4”) e o baixo melódico de Colin Greenwood surgem, a música toma um novo rumo, com direito a coro de crianças. Na faixa seguinte, “Bodysnatchers”, a banda volta por um momento ao rock, mesclando a barulheira do Sonic Youth com os hinos de estádio do U2. No entanto, ao contrário do messianismo de Bono, Yorke foge do estigma de líder (“eu não faço idéia do que eu estou falando”).

“Nude” (também conhecida como “Big ideas”) é a famosa canção que atormenta o Radiohead desde “Ok Computer”. A faixa já teve diversos arranjos e versões, como a que é mostrada no documentário “Meeting People Is Easy”, sobre a exaustiva turnê de “Ok Computer”. Em “In Rainbows”, a música se torna a peça chave do álbum, resumindo grande parte de suas características marcantes. É uma balada atmosférica, na linha de “How to disappear completely” e “Subterranean homesick alien”, só que, ao contrário delas, “Nude” retoma uma espacialidade mais orgânica, construída com mais orquestrações e menos efeitos de estúdio (como em alguns momentos de “The Bends”).

Reflexo de seu álbum-solo “The Eraser”, Thom Yorke volta usar a voz como o leme emotivo de suas canções, como não fazia desde “Ok Computer”. Yorke canta de novo daquela maneira de que nós aprendemos a gostar, como se ele estivesse olhando e narrando o fim do mundo, a última explosão que dará cabo de tudo.

A grande diferença é que a atmosfera de “Nude” remete por meio de suas orquestrações a imagens marítimas, onduladas, como se as guitarras de “Nowhere” do Ride fossem substituídas pelos arranjos orquestrais rebuscados do Mercury Rev de “Deserter’s Songs”. Essa mesma atmosfera marítima invade outras faixas de “In Rainbows”, como “Weird fishes / Arpeggi” e “House of cards”. Essa última tem uma levada de guitarra quase praieira, solar, desafiando a pesada atmosfera de mares revoltos de suas cordas, que soa como se o Spiritualized fizesse cover de Jack Johnson.

Com 10 anos de “Ok Computer” completos em 2007, o Radiohead se apresenta livre de (quase) todas as paranóias e problemáticas introduzidas por esse álbum. “In Rainbows” é a coleção de canções mais pessoais de Thom Yorke em muito, muito tempo. Como em “All I need”, canção definitiva do Radiohead sobre amor, desejo e obsessão. É “Creep”, “High and dry”, “Climbing up the walls” e “True love waits” em uma única música. É o ponto alto de “In Rainbows”. O instrumental é bastante simples, uma batida fuleira de trip hop que vai duelando com um sintetizador pesado e distorcido e com notas esparsas de um piano, enquanto a voz canta, disléxica, a letra cheia de imagens estranhas e poderosas. Uma mariposa rodeando a luz no teto, um animal preso num carro, os dias que você escolheu esquecer. No final do segundo refrão, a melodia do piano começa ficar mais forte, até que explode junto com a discreta levada de bateria. É o momento em que o disco e o Radiohead se revelam em toda a sua grandeza. É o terror das últimas esperanças presente no refrão de “There’s a light that never goes out” dos Smiths misturado com o êxtase espiritual e idealista de “All is full of love” da Björk. É inefável. Nessa confusão de sentimentos, Yorke mata a charada: “it’s all right, it’s all wrong”.

Em “Faust ARP” a banda visita um território pouco explorado, o do folk. Há uma breve relação com “Go to sleep”, de “Hail To The Thief”, mas a faixa tem uma melodia doce, quase sessentista. O ambiente calmo logo dá lugar ao clima tenso de “Reckoner”, momento que mais lembra “Ok Computer”, mesmo com a ausência das guitarras. O falsete de Yorke chega ao máximo, se misturando ao belo arranjo de cordas.

“In Rainbows” acaba da maneira que começou, com sua familiaridade desconhecida. “Jigsaw falling into place” é sobre a perda de controle e chega a ser dançante, mas é conduzida por uma levada de violão, com quase nada de eletrônica. Preenchendo os espaços, há um coro que fica no limite entre o soul e o gótico.

A faixa final, “Videotape”, é mais um exemplo de que o hiato de mais de quatro anos fez bem ao Radiohead. Cada faixa parece ter sido meticulosamente construída, cada nota parece ter o propósito de ser magnífica. A canção é uma balada assombrada como tantas outras no repertório; no entanto, é dotada de uma atmosfera própria, de um estado de graça em que cada elemento se confronta e se harmoniza, como num beijo repelido.

No final da canção, quando Yorke canta “this is my way of saying goodbye / because I can’t do it face to face”, abre-se um vácuo passível de várias especulações. Seria “In Rainbows” a carta de adeus? Seria a prometida turnê mundial de 2008, também a última? Como que respondendo, ele emenda “no matter what happens now / I won’t be afraid”. Não importa mesmo. O futuro é algo que não cabe nem ao Radiohead prever. O que realmente importa é que mais uma vez – e já foram tantas – eles estão mudando o nosso presente e continuam o fazendo de maneira brilhante.

por Livio Vilela

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